Mostra-me tua agenda
E te direi quem teu filho será...



Frequentemente, recebo em meu consultório particular mães e pais, profissionais de toda ordem (executivos, médicos, trabalhadores em geral), que me consultam preocupadíssimos com o baixo rendimento escolar de seus filhos, que aparentemente não tem qualquer problema de aprendizagem. Da mesma forma, várias vezes, durante as entrevistas que permeiam o diagnóstico, percebo a dificuldade que muitos casais têm de achar um horário em suas agendas para retornarem ao meu consultório, ou ao de outros profissionais e até para irem à escola dos filhos. E não há desinteresse ou má vontade nisso, mas sim uma grande angustia por não conseguirem tempo para resolverem seus problemas pessoais e familiares como gostariam.
Avaliando seus filhos, chego muitas vezes à constatação de que um fator que prejudica sobremaneira a estes e a seus pais é exatamente o mesmo tipo de problema: a má organização de seu período de trabalho, de vida pessoal e de lazer. Ou seja, sua agenda!
Resultado da urgência do dia-a-dia da contemporaneidade ou não, o que vejo é uma dificuldade enorme das pessoas dividirem seu dia e ensinarem seus filhos a separarem o tempo de estudo, de lazer e de convívio com outras crianças ou adolescentes. Ou, ainda, percebo que é dada, equivocadamente, prioridade àquilo que na verdade atende aos desejos da criança (ou dos pais) sem prever que estão criando hábitos de falta de responsabilidade que não poderão ser mudados sem grande sofrimento e desgaste no futuro. Isso, repito, se conseguirem mudar...
A principio, recordo aos familiares que todas as crianças, ao entrarem na pré-escola, começam necessariamente a dividir seu dia ente a ocupação escolar, o lazer e atividades extracurriculares. Aliás, estas últimas, incompreensivelmente, criaram um significado especial para muitas famílias, por uma questão de status, em detrimento até das dificuldades de aprendizagem, de tempo e recursos financeiros para a ida aos profissionais como psicopedagogos, fonoaudiólogos, etc.
Aí surge o segundo grande equivoco, pois a atividade realizada na escola não passa a ser reconhecida como a atividade essencial para o desenvolvimento futuro de ordem cognitiva e social dos filhos. Há famílias que julgam estar matriculando as crianças na pré-escola como em mais um local para elas “Brincarem”, como se as atividades desenvolvidas com os professores fossem da mesma ordem daquelas que a criança improvisa com os irmãos, vizinhos, babás, sem claros fins educativos e sem supervisão, importantes também, mas não fundamentais, com objetivos definidos de prepará-la para as etapas seguintes da escolarização.
Desde cedo, o tempo de ócio, de lazer, deve ficar claramente entendido que depende do bom uso do tempo dedicado ao trabalho escolar, tanto o vivido na instituição de ensino como o de cunho pessoal, feito no seu lar. Mesmo quando as “lições de casa”ainda não passem de desenhos , os familiares e a criança devem começar a encarar essas responsabilidades como uma importante complementação das atividades estudantis e como oportunidade valiosa de aprendizagem individual, que vai lhe conscientizar de como ela própria aprende, a perceber qual sua dificuldade e como deve fazer para supera-las por si mesma. Enfim, é uma ocasião de aprender a aprender. Isso se adquire na prática constante e, em geral, por siso, sem que outros precisem ensinar.
Além disso, a criança aprende que já tem responsabilidades pessoais dentro da família e da sociedade, comparáveis (guardando as óbvias proporções) ao trabalho dos seus pais, e que da organização desse tempo predeterminado de dedicação aos estudos na escola e em casa, é que sobrará o tempo de lazer, para brincadeiras, aulas extracurriculares, passeios, jogos, internet, etc.
O tempo livre passará a ser aquele que advém da organização e do bom uso do tempo de trabalho escolar e das lições de casa, sendo que este sempre terá uma carga horária determinada, dividida entre lições e estudo. O período restante do dia será para as brincadeiras, o computador, os jogos, os bate-papos e quando os pais permitirem, o tempo para atividades extras que sejam complementares à educação. Achar que “mais tarde” o filho já terá obrigações demais, que a infância é tempo de lazer e que as inúmeras aulas extras preenchem o tempo livre de forma construtiva, é um pensamento limitado e ingênuo, que pode trazer uma conseqüência muito desagradável se não for acatada: estudar é um hábito que se adquire desde a ré-escola e a valorização e conscientização dessa responsabilidade não vem de repente, com a puberdade, com o amadurecimento. Vem da educação no dia, da organização e bom proveito do tempo e do exemplo que os familiares dão agindo da mesma forma.
Achar que faltar às aulas por conta de umas férias ou feriados “esticados” ou um final de semana prolongado não vai fazer falta ao conhecimento geral da criança é tentar se enganar: sempre há perda da rotina, a desvalorização da escola e do empenho financeiro da família em pagá-la, da cultura em geral e do fortalecimento da idéia hedonista de que o que importa é o prazer.
Com o passar dos anos, esse modo de pensar e agir, que parece tão inocente frente a pouca idade das crianças e de seu desejo natural de brincarem, acarretará um modo distorcido, frágil e sujeita a grandes frustrações frente à realidade da vida. Então, não será possível fazer um jovem aceitar que deve ir à aula, que deve ter como prioridade na sua agenda os trabalhos e provas em detrimento do “feriadão” com amigos, oportunidades que sempre se sucederão no lugar do estudo e da vida profissional.
Confundir as crianças e adolescentes nessa questão gera adultos frustrados, inseguros e desorganizados, que além de estressados não desenvolvem todo seu potencial de sucesso na vida profissional e pessoas pela incapacidade da correta gestão do tempo, tão valorizada atualmente.
Vamos reformular nossas agendas e ensinar nossos filhos a viver melhor?


Maria Irene Maluf é Pedagoga especialista em Psicolpedagogia e Educação Especial, editora da revista Psicopedagogia da ABPp e Presidente Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia ABPp).
www.abpp.com.br

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